A Vida imita a Arte? Ou a Arte imita a Vida?. Essas duas perguntas nos leva a aquela brincadeira: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?. Mas, para o dramaturgo e diretor teatral Augusto Boal, criador da prática cênica-pedagógica do “Teatro do Oprimido”, o teatro é uma ferramenta poderosa para a mudança social, com o propósito de estimular a reflexão crítica de um contexto social mais amplo. Hoje, a obra de Boal é aplicada em mais de 140 países e traduzida em mais de 75 línguas diferentes.
Apesar de, durante muito tempo, ter sido excluído dos currículos das universidades, o Teatro do Oprimido configura-se hoje como um amplo campo de investigação que se estende para além da esfera propriamente artística e alcança o patamar educacional, de formação não somente de atores, mas, também, de não atores “com vontade de dizer algo através do teatro”, incluindo-se, aqui, profissionais de distintas áreas como pedagogia, comunicação, saúde, psicologia, ciências sociais, entre outras.
É pensando nesta metodologia como uma ótima estratégia reflexiva-social que a Universidade Federal da Bahia, por meio da Escola de Teatro (ETUFBA), de forma pioneira, abre a primeira pós-graduação lato sensu do Brasil com foco no Teatro do Oprimido, com duração de 18 meses, intitulada “Especialização em Teatro do Oprimido: práticas político-pedagógicas”.
A especialização inédita terá três momentos presenciais, com o primeiro a ocorrer do dia 15 a 27 de janeiro; o segundo de 15 a 27 de julho; e, por fim, de 20 a 25 de janeiro de 2025. Nos intervalos entre as aulas presenciais, ocorrerão encontros virtuais, para acompanhamento das pesquisas individuais dos discentes partícipes da formação.
A formação é fruto direto das ações do projeto “Estruturante de Formação em Teatro do Oprimido” – contemplado no Edital Pro-Humanidades (nº 40/2022 – Linha 3B – Projetos em Rede – Políticas públicas para o desenvolvimento humano e social), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. O referido projeto conta ainda com a parceria de instituições associadas: Universidades Federal do Acre -UFAC; Federal do Sul e Sudoeste do Pará – UNIFESSPA; Federal do Sul da Bahia – UFSB e Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.
Os módulos de cada momento serão ministrados por docentes da ETUFBA e artistas convidados – ou como Boal os chamava, curingas -, que o ajudaram a criar o método desde o ano de 1986, quando fundaram o Centro de Teatro do Oprimido, no Rio de Janeiro. Dentre eles: o doutor em teatro Licko Turle; o premiado cenógrafo e teatrólogo Cachalote Mattos; o professor de teatro da Universidade Federal do Acre, Flávio Santos da Conceição, curinga de 2001 a 2016; a doutora e mestra em artes cênicas, a bióloga Helen Sarapeck, e Bárbara Santos – que desenvolveu a sistematização do Teatro das Oprimidas.
Somados a estes, na primeira etapa, de 15 a 27 de janeiro, os módulos da especialização contam com a docência de Celida Salume, Hayaldo Copque, Alexandra Dumas, Lenira Rangel, Cristine Douxami e a atriz e dramaturga Antonia Pereira. Esta última, professora e pesquisadora da Escola de Teatro e coordenadora da área de Ciências e Humanidades para a Educação Básica – Mestrados e Doutorados Profissionais em Rede da CAPES, é a coordenadora geral da Especialização em Teatro do Oprimido.
Grande parte da equipe pedagógica apresentada acima integra o Grupo de Estudos em Teatro do Oprimido (GESTO), coletivo de pesquisadores criado em 2011, cadastrado no diretório do CNPq e que hoje também é sediado na Escola de Teatro da UFBA. O grupo se propõe a estudar e difundir o Teatro do Oprimido, promover as Jornadas Internacionais de Teatro do Oprimido e Universidade – as JITOU, publicações periódicas de livros e intervenções teatrais que busquem transformações sociais. É através do site do Gesto – https://gestoteatrodooprimido.com/ – que os interessados podem acessar todas as informações a respeito do Especialização em Teatro do Oprimido e, ainda, adquirir as publicações do GESTO.
A coordenadora da especialização, Antonia Pereira, pontua que o curso destina-se a proporcionar uma sólida formação, que não apenas instrumentalize os diferentes profissionais das humanidades com a metodologia, mas que contribua para produzir estudos e ferramentas sociais para o combate de problemas como o racismo, a homofobia, a pobreza, mediante o fortalecimento do potencial artístico-cultural. “Buscamos o aprimoramento técnico, crítico e estético dos profissionais de diversas áreas do conhecimento, através de um olhar mais sensível e humanizado”, realça.
As atividades desta formação pretendem abarcar um público extenso, formado por educadores e profissionais diversos, oriundos das diferentes regiões do Brasil e do exterior, em especial dos países da América Latina onde há, hoje, um grande número de praticantes do Teatro do Oprimido. “Queremos atender aos profissionais das artes, pedagogia, psicologia, ciências sociais, direito, serviço social, comunicação, saúde, além de educadores, licenciados, docentes, gestores, técnicos e estudantes de pós-graduação que visam atuar com o Método em seus processos e práticas político-pedagógicas”, especifica Pereira.
ETUFBA
A Escola de Teatro da UFBA já vem sendo uma instituição que estimula o método há mais de 20 anos, através da atuação da professora e pesquisadora Antonia Pereira, que ao longo desses anos tem inserido o Teatro do Oprimido no âmbito da Pós-Graduação strictu sensu em Artes Cênicas – PPGAC/UFBA, bem como tem realizado workshops e dirigido espetáculos de Teatro-Fórum no Brasil e na França.
As ações de Teatro do Oprimido na ETUFBA foram fortalecidas e ampliadas com a chegada, em 2018, de Licko Turle, como Professor Visitante do PPGAC/UFBA. No mesmo ano, a instituição torna-se umas das organizadoras das Jornadas Internacionais de Teatro do Oprimido e Universidade – JITOU, maior encontro anual de pesquisadores e praticantes do método, no Brasil e no exterior. A UFBA já sediou a sexta e sétima edição deste evento, ocorridas em Salvador/BA.
Teatro do Oprimido
O nome de Augusto Pinto Boal (1931-2009) está ligado à história do teatro brasileiro, como dramaturgo e diretor teatral, cujo trabalho inovador no Teatro Arena de São Paulo, nos anos 50 e 60, trouxe uma concepção de espetáculo e dramaturgia essencialmente nacionais. Anos depois, a ditadura militar o levou a exilar-se em 1971. Em sua estadia por países da América Latina (Argentina, Peru, Equador) e Europa (Portugal e França), vai-se construindo o Teatro do Oprimido (TO) – método teatral que congrega jogos e exercícios teatrais várias técnicas: Teatro-Jornal, Teatro-Imagem, Teatro-Invisível, Arco-Íris do Desejo, Teatro-Fórum e Teatro Legislativo.
De volta ao país em 1986, cria com Licko Turle, Luiz Vaz, Claudete Félix, Silvia Balestreri e Valéria Moreira o Centro de Teatro do Oprimido (CTO/RJ), espaço institucional cujas atividades (cursos de formação, montagens de espetáculos, projetos nas áreas de educação e saúde mental, em pontos de cultura, com movimentos sociais e comunidades desassistidas, no sistema prisional, dentre outras ações) foram coordenadas pessoalmente por Boal e seus colaboradores até seu falecimento.
Licko Turle pontua que, o Teatro do Oprimido configura-se como um amplo campo de investigação que se estende para além da esfera propriamente artística e alcança o patamar educacional, de formação não somente de atores, mas, também, de não atores ‘com vontade de dizer algo através do teatro’, incluindo-se, aqui, profissionais de distintas áreas como pedagogia, comunicação, saúde, psicologia, ciências sociais, entre outras”, destaca Turle, ao acrescentar que, o Teatro do Oprimido torna-se necessário pois provoca nestes agentes uma reflexão crítica sobre o seu trabalho dentro de um contexto social mais amplo.
Ativações
Ainda em janeiro, além das aulas, ocorrerá no dia 25 o lançamento do livro “Teatro das Oprimidas – estéticas feministas para poéticas políticas”, da multiartista, ativista feminista-antirracista-decolonial-comunitária e e kuringa, Bárbara Santos, que tem uma atuação em mais de 40 países. O livro traz uma sistematização teórica de uma metodologia teatral que se dedica à representação cênica de opressões atravessadas pela intersecção entre gênero, raça e classe, desde uma perspectiva estrutural.